Com a participação de distintos setores da sociedade, se mostrou, através da experiência e vivências, que existem e funcionam mídias sociais além daquelas das big techs
Na passada quarta-feira, 03 de dezembro, estive, em representação do Nudecri, no Primeiro WebSocial BR, um Fórum do Fediverso Brasileiro.
A Web Social Aberta, também conhecida como Fediverso, é formada por plataformas sociais descentralizadas que utilizam protocolos de comunicação abertos como ActivityPub, uma tecnologia através da qual as redes sociais podem ser tornadas interoperáveis, conectando tudo a um único grafo social e a um sistema de compartilhamento de conteúdo. A interoperabilidade a experimentamos, por exemplo, quando usamos o serviço de e-mail, ela é a que permite alguém que usa Gmail se comunique com outro que usa Outlook ou aquele outro que usa Yahoo, e vice-versa. O ActivityPub é regido por protocolos abertos, não por plataformas fechadas. Essa tecnologia desponta como uma alternativa às mídias sociais centralizadas de grandes corporações privadas e já está sendo usada há algum tempo no Fediverso.
Agora continuemos com o evento. A proposta do WebSocialBR era reunir administradores de comunidades, gestores, parlamentares, pesquisadores e comunicadores para trocar experiências e fortalecer esse ecossistema no Brasil. O evento foi organizado pela Alquimidia, uma associação cultural de Florianópolis (SC) que reúne comunicadores, artistas, e programadores empenhados no fomento da Cultura Digital para a difusão da diversidade cultural no Brasil. A associação contou com o apoio do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), da POP Solutions, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), SindSaúde/SC, e do FediFórum.
O encontro começou às 9h da manhã no auditório do MCTI em Brasília, com a presença de pesquisadores, servidores públicos, gestores e administradores de instâncias no fediverso, programadores e ativistas digitais. Na primeira mesa abriram a conversação a Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Marco Konopacki, da Secretaria de Comunicação Social (SECOM) e Thiago Skárnio da Alquimidia.
Seguidamente teve outra mesa onde se falou sobre o que é o Fediverso, a Web Social e sua importância para a Soberania Digital. Um dos participantes, o Frederico Guimarães da Plataforma Vilarejo e Pontão Colaborativas, destacou a importância de usar códigos abertos nas instituições públicas, “se o dinheiro é público, o código também deveria ser público”, e continuou, “quando se fala em soberania digital, é importante frisar que ninguém precisa reinventar a roda criando software – ele já existe e é de código aberto”. O Thiago Skárnio, da Alquimidia, destacou também que as mídias federadas “são mídias feitas de pessoas para pessoas, sem fins lucrativos”.
Chegando na metade da manhã, começou o Painel FediGov: experiências de redes federadas no Governo e Universidades, no qual participei junto ao José Murilo Carvalho, coordenador da Coordenação de Arquitetura da Informação Museal do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Aí conversamos sobre o uso de redes federadas em instituições públicas. O Murilo mostrou a experiência do Ibram com a criação de uma instância no Mastodon, a Brasiliana Museus, uma plataforma online que busca conectar e disponibilizar o patrimônio dos museus brasileiros em um repositório acessível ao público, ampliando o alcance dos acervos para além das fronteiras físicas dos museus. Além disso, também realizou o lançamento oficial do “Guia de Entrada para o Fediverso”, cartilha digital que apresenta, de maneira clara e acessível, conceitos fundamentais sobre redes sociais descentralizadas, padrões abertos, modelos de gestão e possibilidades de uso por instituições culturais. A iniciativa reforçou o compromisso do Ibram com práticas inovadoras de comunicação pública, autonomia digital e preservação da memória institucional.
Pela minha parte, mostrei como as mídias federadas vem sendo usadas por universidades ao redor do mundo, como o Projeto Piloto da Fundação SURF e as Universidades da Holanda no Mastodon (2023 – 2026), que está explorando o Mastodon para a educação e a pesquisa no país. Assim, estudantes, pesquisadores, funcionários e instituições da Holanda podem experimentar o Mastodon de forma acessível.
Uma experiência similar à nossa no Nudecri com a criação das próprias instâncias no Mastodon e no Peertube, redes sociais descentralizadas, como estratégia de comunicação científica do Núcleo. Dita estrategia é resultado do projeto de pesquisa “O Fediverso nas Universidades Públicas: iniciativas para a construção de uma soberania digital nas universidades paulistas” que criei com meu colega, o pesquisador Rafael Evangelista. Expus também, aos presentes, como as instâncias já vem sendo usadas por alguns pesquisadores, pesquisadoras, alunos e veículos do laboratório, como O Plano B, um projeto do ICTS/Unicamp – Grupo de Estudo em Informação, Ciência, Tecnologia e Sociedade, com apoio da Rede Latino-Americana de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits) que faz um mapeamento da literatura sobre capitalismo de vigilância no Sul Global, a revista ComCiência, primeira revista de comunicação científica do Brasil desde 1999, e o podcast Oxigênio, canais de divulgação e comunicação tanto dos trabalhos de pesquisa e de formação acadêmica, quanto para a divulgação científica. Destaquei também, que somos uma das poucas instâncias brasileiras dedicadas à divulgação e comunicação da ciência no Brasil e os desafios e vantagens de termos nosso próprio servidor, o que significa termos o controle: dos dados, seu armazenamento e manuseio, da moderação do conteúdo e da interação com outras contas.
A minha participação neste evento, tão importante para o fediverso brasileiro, está alinhada aos objetivos do nosso projeto de pesquisa: aportar na construção da soberania digital em instituições públicas, com foco nas universidades públicas, e explorar as potencialidades do Fediverso como um espaço de comunicação e divulgação científica autônomo e democrático. Assim como também, contribuir na discussão sobre a importância da soberania digital no contexto acadêmico, incentivando a adoção de tecnologias livres e descentralizadas que respeitem os princípios de transparência, privacidade e democratização do acesso à informação e ao conhecimento.
Além do painel no qual participei, teve outro sobre Tecnologias e desafios do #FediversoBR. Ali participaram moderadores e gestores das instâncias mais populosas do Brasil, como a Ursal.Zone e a Bolha.Us, e outras em crescimento como a Organica.Social. Falaram sobre como é a moderação descentralizada de conteúdo, diferente à moderação centralizada costumeira das big techs, suas vantagens, desafios, e também sobre como custear economicamente as instâncias.
Por último teve o painel Perspectivas globais da Web Social Aberta, com a participação do Evan Prodomou, co-criador do ActivityPub e da Social Web Foundation, e o Johannes Ernst, engenheiro de dados e Co-fundador do FediForum. Os painelistas destacaram que hoje temos um reconhecimento desde os diferentes setores da sociedade de que existe um grande problema com as plataformas das big techs, e por isso, eventos como o WebSocial Brasil são fundamentais para mostrar que existe uma solução, as redes federadas e a tecnologia de código aberto, que tem funcionado, funcionam e que não precisamos inventar novas redes.
Existe uma necessidade ética, democrática e de resguardo da nossa soberania digital de procuramos alternativas às plataformas das big techs e eventos como este demonstram, desde a experiência, que o Fediverso é uma alternativa a elas. Temos a tecnologia e a demanda social para ampliarmos o uso da mesma, desde políticas de Estado, desde as instituições públicas como já vem sendo feito em alguns países, aqui no Nudecri, e desde a organização social orgânica como vem acontecendo no Brasil nos últimos anos.
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