Há vida além da Meta: conhecendo as estratégias de comunicação do Fediverso

A comunidade de software livre na necessidade de comunicar o funcionamento das redes descentralizadas há criado estratégias de comunicação do Fediverso para atingir velhos e novos usuários

Para a maioria das pessoas as redes sociais são a Meta (WhatsApp, Instagram e Facebook), o X, o YouTube, ou o TikTok, entre outros. O uso destes espaços digitais toma grande parte do nosso tempo, desde o entretenimento e lazer, até fontes de informação e conhecimento. Infelizmente, na última década, diversos eventos polêmicos ao redor das práticas reprováveis sobre uso de dados pessoais dos usuários dessas plataformas sem seu consentimento e a falta de moderação de conteúdo por parte dos donos dessas empresas tem gerado desconfiança em vários setores da sociedade nestas redes. O Caso Cambridge Analytica é um dos eventos mais preocupantes. Neste último ano temos assistido aos CEOs da Meta, o X, e o Google (Alphabet), se alinhando explicitamente a programas de governos autoritários e pouco democráticos, mudando suas políticas de moderação de conteúdo para favorecer discursos de ódio e desinformação, inclusive, lucrando com anúncios que circulam nas suas redes promovendo golpes nas pessoas. Devido a isto, a permanência nesses espaços digitais tem se tornado insustentável para alguns setores da sociedade que tem saído, especialmente desde 2022 com a compra do X (antigo Twitter) pelo bilionário ultra direitista Elon Musk. Redes sociais descentralizadas, como o Mastodon, tem se apresentado como alternativas e captado vários usuários, inclusive instituições públicas (universidades, governos) e privadas descontentas com as redes sociais comerciais.

As redes sociais descentralizadas formam parte do chamado Fediverso (uma junção de “federação” e “universo”) um conjunto de tecnologias utilizadas para hospedagem distribuída de arquivos e publicações na web, como mídias sociais, blogs e sites. O Fediverso possui mais de 15 milhões de usuários e mais de 19 mil instâncias ou comunidades ao redor do mundo, no momento que estou escrevendo este artigo. A principal característica desse ambiente digital é a descentralização executada por protocolos de comunicação em padrão aberto. Os usuários podem criar suas contas ou perfis em qualquer uma das plataformas instaladas em diferentes servidores (chamados de “instâncias”) e, por meio de um único perfil, interagir e trocar informações com todos os outros perfis e instâncias dessa rede. As instâncias tendem a ser sem fins lucrativos e administradas voluntariamente por indivíduos ou movimentos sociais. Isto só é possível porque essas redes sociais, plataformas como blogs e fóruns, são criados por meio de códigos abertos e softwares livres. Qualquer pessoa com conhecimentos básicos sobre programação pode pegar o código aberto, por exemplo, de uma rede social descentralizada como o Mastodon, que possui uma estrutura como qualquer outra rede social, e criar seu próprio servidor ou instância para hospedar uma comunidade de usuários, as postagens, imagens, e vídeos, e permitir a interação com outros usuários hospedados no mesmo servidor, assim como também, com usuários hospedados em outros servidores de outras comunidades.

Infográfico criado por Per Axbom.

As redes sociais descentralizadas funcionam sob lógicas muito diferentes das redes sociais comerciais. Além das características já mencionadas, não possuem um algoritmo de recomendação que perfila e coleta dados pessoais dos seus usuários, nem mostra anúncios, muitas vezes indesejados, para vender o que seja que for. A moderação de conteúdo não repousa nas mãos de um CEO como nas redes comerciais, mas de forma distribuída. Primeiramente, desde o administrador ou administradores e moderadores de cada comunidade, e segundo, entre a comunicação destes administradores com seus pares de outras comunidades. Também, as pessoas que criam as instâncias não são movidas pelo lucro, mas pela conexão, pela ética da liberdade de você escolher com quem se conectar e quais conteúdos visualizar e interagir sem necessidade de colocar em risco seus dados e sua privacidade.

Esta particularidade do Fediverso tem gerado o interesse de pesquisadores e pesquisadoras de diferentes áreas das ciências sociais e da computação, de jornalistas, divulgadores e comunicadores da ciência ao redor do mundo, pelo menos desde 2018. Isto criou várias pesquisas com distintas abordagens no campo de estudos da internet, CTS e afins, o que gerou uma quantidade importante de artigos científicos, jornalísticos e reportagens que vem dobrando em quantidade desde 2022.

Também por sua lógica de funcionamento tão diferente das redes sociais comerciais, o fediverso requer de uma estratégia de comunicação eficaz para que seus usuários entendam como opera, como criar uma conta e formar parte de uma ou várias comunidades, como se conectar com outras pessoas e os temas de seu interesse, como são tratados seus dados e sua privacidade.

Assim, a mesma comunidade tem criado sites, veículos, wikiblogs, vídeos, manuais, livros para dummies, livros acadêmicos, encontros e eventos, visando transmitir conhecimento e informações aos usuários, para não apenas criar contas ou perfis pessoais, mas, para se integrarem entre si, e enxergar as vantagens de pertencer ao fediverso e  até propor melhoras, seja como usuário e/ou como desenvolvedor.

Entre os eventos que a comunidade há criado para comunicar o fediverso, um dos mais importantes é a anti conferência (Unconference), o Fedi Fórum, que se realiza desde 2023 ininterruptamente. O espírito da ética do software livre e o protocolo aberto movimenta estes encontros onde se discutem estratégias de comunicação do fediverso, aspectos técnicos e melhoras das distintas tecnologias e plataformas que conformam o mesmo. Também se discute desafios e limites a superar pelos desenvolvedores, instituições, movimentos sociais e ativistas digitais.

Além disto, na necessidade de orientar aos administradores e moderadores das instâncias, criou-se a organização Confiança e Segurança Federada Independente (IFTAS pelas suas siglas em inglês). A IFTAS fornece ferramentas técnicas, treinamento e recursos de política para ajudar comunidades independentes a gerenciar a confiança e a segurança de forma eficaz e justa. A organização tem gerado diretrizes em torno a normas de conduta, lista de servidores para bloquear que infringem direitos humanos e/ou desrespeitam a comunidade, e uma guia para se adequar a leis como a Lei de Serviços Digitais (DSA pelas suas siglas em inglês) na União Europeia.

No Brasil a comunidade no fediverso vem crescendo, como demonstram as diversas instâncias ativas, que crescem dia após dia, contabilizando miles de novos usuários. Também por isso nasceu o Observatório do Fediverso, mantido pela Associação Cultural Alquimídia, que conta com o apoio de organizações e movimentos sociais. O trabalho da Alquimídia vem sendo muito importante para a consolidação da comunidade. A organização tem promovido, por meio de oficinas e encontros, o uso de redes sociais descentralizadas desde movimentos sociais até instituições públicas com suas campanhas #vemprofediverso e fedigov. Esta última é uma campanha que visa incentivar a adoção das redes federadas pelas instituições públicas no Brasil, como já fizeram governos como os da Holanda, e alguns partidos políticos da Alemanha, como o Partido Verde e o Social-Democrata. A campanha tem conteúdos e orientações aos Governos e órgãos públicos. Também criou o Fórum #FediversoBR, uma plataforma para reunir administradores de instâncias, moderadores, ativistas e entusiastas das redes federadas, com o objetivo de trocar conhecimentos e fortalecer o Fediverso no Brasil.

Além disso, com o apoio de instituições como o Comitê de Gestão da Internet do Brasil (CGI), e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, organizou o 1º WebSocialBR. Falei com mais detalhe sobre esse evento aqui neste post, vem me ler.

Estratégias de comunicação do fediverso vem crescendo nos últimos anos. Isto não poderia ter sido possível sem a coordenação intercontinental da comunidade do software livre preocupada e ocupada para além de atrair às pessoas e setores da sociedade descontentes com as redes comerciais, mas para conseguir que as pessoas e as organizações que cheguem, cheguem para ficar e construir uma nova cultura da comunicação e interação no ambiente digital.

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